Santa Clara de Assis

No dia 11 de agosto, a Família Franciscana celebra o dia de Santa Clara de Assis (1194-1253). Fundadora da Segunda Ordem, conhecida também como Ordem Clarissas. Foi canonizada por Alexandre IV no dia 15 de agosto de 1265.

Nas mãos de Deus

Clara, Clara da cidade de Assis, Santa Clara que clareia nossa vida, a primeira mulher franciscana. Não se pode falar de Clara, evidentemente, sem mencionar Francisco. Ela se dizia “plantinha” do Seráfico Pai. Na verdade bebeu das fontes que jorravam de Francisco, mas deu sua contribuição original e única para formar a família “francisclariana”. Sem Clara o carisma franciscano estaria mutilado. Depois da morte do Poverello ela guardou ciosamente a herança de Francisco. Clara foi uma mulher literalmente  lançada nas mãos de Deus.

Nasceu no final do século XII, em 1193, no dia 18 de julho, costuma-se dizer. Em 1226, quando Francisco morreu, Clara teria 33 anos. Entregou sua alma a Deus a 11 de agosto de 1253,  vivendo quase todo o tempo de sua vida adoentada e muitas vezes acamada. Sempre uma luz que brilhava.

Clara e sua família pertenciam à nobreza de Assis. Viviam numa casa importante junto à praça da Catedral de São Rufino. Ortolana, mãe de Clara, tinha oportunidade de viajar, de conhecer santuários da Europa e mesmo os lugares da Terra Santa. Muito provavelmente a menina Clara ouvia com atenção os relatos das viagens que mãe fazia às amigas em saraus vespertinos. Essas descrições iam penetrando o interior de Clara e muito provavelmente Deus já andava trabalhando seu coração.

Irrompe em Assis a figura de um jovem chamado Francisco. É bem possível que Clara o tenha conhecido, ao menos de vista, na loja de fazendas do pai do rapaz. Quem sabe Ortolana e a filha o conheceram quando foram fazer compras. O fato é que o jovem balconista, com o tempo, andava sendo tocado interiormente e se tornara pessoa diferente. Andava reunindo o povo e exortando à mudança de vida. Recolhia-se em grutas. Cuidava de leprosos. Tinha tido mesmo autorização de fazer pregação na Catedral. Clara foi vivenciando esses eventos. Frei Rufino, um dos frades menores, era seu primo. Deve ter sido ele o interlocutor entre a moça e o Poverello. Ela deve ter tido um ou mais encontros discretos com Francisco. Havia dentro dela desejos, apelos, dúvidas. Francisco precisava ajudá-la a discernir. Os dois se convenceram que Deus tinha planos para com ela.

A questão era saber qual e como trilhar um caminho novo que parecia estar sendo sugerido. Sua família, sobretudo o pai e o tio Monaldo, não concordariam que ela tomasse essa decisão, andar no seguimento do louco Francisco. Haveriam de se opor, como efetivamente fizeram. Houve então a tão conhecida “fuga” noturna na noite do domingo de ramos, em 28 de março de 1211.  Tudo deve ter sido feito com o conhecimento do bispo Dom Guido. Clara estava decidida a trilhar um caminho parecido com o de Francisco, de modo particular, seguir os passos do Cristo pobre.  Noite extraordinária. Com uma parenta, Clara deixa a casa paterna, passa pela porta secundária, a porta dos mortos. É acolhida pelos frades com tochas acesas. Na capelinha de Nossa Senhora dos Anjos é revestida de uma túnica simples, seus cabelos são cortados, entrega-se ao Senhor, de alguma forma consagra-se de modo particular a Deus. Noite inesquecível, tantas vezes decantada em poesia e pinturas.

Clara nos faz lembrar Abraão. “Vai para uma terra que eu vou te mostrar… toma teu filho e leva-o ao monte Moriá… Vai, na fé, na noite luminosa da fé… sem fazer muitas perguntas”. Aquela voz pedia que o filho fosse oferecido em sacrifício. Pai, onde está o animal? Deus providenciará… Clara é Abraão ouvindo essa palavra: “Va, Deus te mostrará”.

Demorou um tempo para que o caminho se fizesse claro.  Francisco confiou Clara às beneditinas de São Paulo das Abadessas e depois às penitentes de Santo Angelo de Penzo. Posteriormente o pequeno grupo de simpatizantes que  surgia se instalou no em São Damião. Os caminhos iam sendo delineados. Um casa simples, capela diante do Crucifixo de São Damião, aquele que encantara Francisco. Poucas irmãs, um tosco refeitório, um oratório, um dormitório comum, uma vida de alegria e de recolhimento.

Uma vida de louvor, de exultação diante do Altíssimo. Sempre o Cristo, o Cristo de Francisco, o Cristo despojado. Uma vida de contemplação cristocêntrica. As irmãs contemplavam um espelho onde viam o amado, a beleza do amado, as chagas do Amado. Uma vida literalmente nas mãos de Deus.

Vida fraterna simples. Clara manifestando sua vocação materna. Cuidados, lavava os pés das que iam pedir pão e esmolas, cobria as irmãs nas noites de frio. Mãe Clara.

Vida de união com Deus incluindo a intercessão. As irmãs pobres de São Damião haveriam de sustentar os membros frágeis da Igreja. Era sua missão junto com a contemplação, o encanto por Cristo e a vida fraternal estar ligada ao mundo. Não eram mulheres fechadas. As pessoas de Assis, de modo particular, as mais pobres recebiam a riqueza da mesa pobre de Clara e de suas irmãs.

Separada da cidade tendo, no entanto, as batidas de seu coração e sintonia com as batidas de sua gente. Uma clausura humana. Quando sarracenos invadem a cidade ela busca o ostensório com o Santíssimo e os invasores fogem. Ela foi a defensora da cidade.

Gostaria de terminar estas palavras reportando-me a reflexões de André Vauchez, grande historiador medieval: “Clara não reivindicou para ela e suas irmãs o direito de pregar ou ensinar mas desejava ardentemente viver em simbiose com os frades menores. Recusava terminantemente  que sua comunidade se transformasse num mosteiro de virgens reclusas e dotada de rendas. Mesmo aceitando a estabilidade e a clausura, dedicando-se intensamente à contemplação, as irmãs guardavam contacto com o mundo que as rodeava.  Não admitia que se questionasse a questão da pobreza. Viver na precariedade permanente era ser fiel ao espírito do Poverello e através dele às aspirações evangélicas que haviam animado os muitos leigos do fim do século XI e inícios do século XII”.

Clara, franciscana, mulher terna, decidida, corajosa continua viva na Igreja e nas Clarissas dessa terra de Deus. Clara, irmã nossa!

Frei Almir Ribeiro Guimarães

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