Inspirado em texto de Ghislain Lafont
Muitos de nós, desde nossa infância, fomos nos familiarizando com temas da fé: Deus, a Trindade, Jesus, Eucaristia, perdão, penitência. Até que ponto realmente toda a Boa Nova foi nos transformando? Até que ponto cremos de verdade? Vejamos como se situa nossa fé diante do silêncio de Deus na morte de Jesus, ou talvez o que ali viveu Jesus, ou como iluminar nossas noites a partir daquele silêncio do Pai no momento final da trajetória humana do Filho.
Por que aquele silêncio do Pai? Todo o cenário da morte de Cristo, em São Marcos, se constrói sobre o tema: “Descerá? Descerá ou não descerá?” As pessoas passam e dizem: “Se tu és o Cristo, desce da cruz (Mc 15,30); o soldado romano dá de beber ao Cristo e diz: “Esperemos para ver se Elias faça com que ele desça da cruz!”(v. 36). Jesus continua suspenso, nada diz, não sente nada que liberasse seus braços e suas pernas, ele que anteriormente havia sentido uma força sair dele ao curar uma mulher. A escuridão que tinha descido sobre a terra corresponde à obscuridade que reina em seu coração. É a noite e ele morre. Desde o momento em que ele morreu o centurião exclama: “Verdadeiramente este era o Filho de Deus” (v.39). A divindade de Jesus se revela, não no fato de que ele pudesse ter descido da cruz, mas no fato de que ele foi até o fim no silêncio de Deus, até a morte e é nesse momento que a mensagem passa. Quando Deus se cala, é o momento da coragem, porque é nesse momento que o Reino se estende sobre a terra. Certamente, Cristo no íntimo não estava “processando” o Pai. Procurava, perguntava: “Por que me abandonaste?”(v.34).
Vivendo nossas noites existenciais e nem sempre temos satisfatórias explicações para o sofrimento e a morte de inocentes, ou simplesmente de tantos humanos que sofrem, pestes, pandemias, dores. O sofrimento e a morte não podem ser um caminho de desespero. Se o Filho de Deus tomou esse caminho não se trata realmente de um caminho de desespero: a Paixão e a Morte de Cristo me impedem de me deixar esmagar pelo sofrimento do mundo. Se o Filho de Deus vindo ao mundo passou por isto, se os homens também passam por isso, é que o sofrimento e a morte são caminhos de divinização.
“Os leitores me dirão: ‘Isso é resposta fácil’. Direi: ‘Encontrem uma melhor’. Trata-se de uma resposta de esperança: nada do que sofrem os homens, aparentemente com um total “não sentido”, não é um total “não sentido”. Não temos o direito de desesperar, mesmo quando a situação possa parecer, desesperadora: seria não acreditar no que fez Jesus., no que Jesus fez” (Ghislain)
Não confundamos “esperança” com sentimento de “bem estar”. Esperança significa que posso confrontar qualquer sofrimento com o sofrimento de Cristo e sei que o sofrimento de Jesus Cristo dá sentido a este sofrimento. Para nós, cristãos, é importante crer nisto. Somente se acreditarmos poderemos viver ao lado de pessoas que sofrem e aparecer como fermento de esperança.
“Antes de morrer, o Cardeal Veillot pedia que os padres não prodigalizassem consolações intempestivas e inoperantes sobre o tema a morte. Penso que não se trata de falar, mas de crer e de “estar com”. Quem crê, diante do homem que sofre, que Jesus Cristo sofre neste homem, esse por sua fé, libera interiormente o outro, ou os outros; não tem necessidade de ver como e em por que: ele sabe que o liberta”
Fonte: “Jusqu’au bout du silence de Dieu”, Ghislain Lafont, in Et la vie jaillira, Lectures Chrétiennes – Éditions Abbaye d’Orval, p.88-89
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Imagem: Basílica São Sebastião, Tijuca (RJ)