Deus!? Quantas vezes dizemos ou escrevemos essas quatro letras! Talvez de tanto dizer ou ouvir a palavra ( e a realidade) tenha perdido força e seu sentido mais profundo. Será que Deus tem ressonância profunda em nosso templo interior? Talvez tenha se tornado algo rotineiro, bem diferente da experiência de Santo Agostinho: “Eu te saboreei, agora sinto sede e fome de ti”. Alguém de quem não se pode separar? João, o evangelista nos lembra que “Deus é amor” (1Jo 4,8).
Pagola lembra bem: “Não é que Deus nos tenha amor. Deus é amor. Todo seu ser e seu agir é amor. De Deus só brotar amor. ‘Deus não sabe, nem quer, nem pode fazer outra coisa senão amar’ (A. Torres Queiruga). Deus nos ama sempre e para sempre. Ele é assim. Ninguém o obriga a fazê-lo, nada lhe é imposto de fora. Ele é o ‘eterno amante’ (Bruno Forte). E jamais priva alguém de seu amor” (José Antônio Pagola, Anunciar Deus hoje como boa noticia, Vozes, p.140)
Há palavras que, por si mesmas, anunciam Mistérios, chegam até o mais profundo de nós mesmos. Entre elas está a palavra coração, que designa o centro mais íntimo, onde toda multiplicidade é uma. Quando dizemos Coração de Jesus evocamos aquilo que o Cristo tem de mais íntimo, queremos dizer que esse centro é repleto do mistério de Deus. Dizemos que neste coração reina o amor infinito pelo qual Deus mesmo se dá, se entrega. Quando dizemos “Coração de Jesus” é isso que professamos e confessamos com todas as forças de nosso próprio coração. Professamos em todos os momentos, mas de modo especial nos momentos de sofrimento. Nessa circunstância é que temos todas as razões de voltar nosso olhar para aquele de quem o coração foi transpassado, esse ninho aberto no alto da Cruz.
Para numerosos cristãos, “Coração de Jesus” pode ser uma simples duplicata verbal de “Jesus Cristo”, o que se pode compreender. Aquele, no entanto, que na aventura de sua experiência religiosa teve ocasião de experimentar a inaudita altura, profundidade, comprimento e largura da realidade da salvação vai mais adiante e compreende o alcance desse Coração. Um coração traspassado, que nos ama mesmo nos becos se saída, Coração que é o coração que nos entrega sem se esgotar o mistério de Deus.
Não há nenhum lugar existencial onde o homem possa entregar inteiramente e sem condições o que ele tem de mais pessoal, sua salvação sem se aniquilar, sem cair no desespero: é Deus experimentado como misericórdia. Esse abandono tem o nome de fé e de esperança. Tal só será possível se ele se entrega a Deus como amor. Ora, colocar esse ato de fé de maneira consciente e refletida será possível diante de Jesus crucificado e ressuscitado, diante de seu coração traspassado.
A devoção ao Coração de Jesus não pode ser ensinada de fora. Cada um, confiando na Igreja e seu Espírito, tentará abeirar-se de seu mistério: nos dias de sol e nas jornadas nubladas deveria repetir: “Coração de Jesus, tende piedade de mim”. Uma prece que seja como mantra. O que se acerca de Jesus deve poder fazer a experiência: o que há de mais de incrível , de mais impossível e, ao mesmo tempo mais evidente é que Deus ama e que seu amor se tornou irrevogável no Coração de Jesus.
Fonte: Le culte du coeur de Jesus aujourd’hui, Karl Rahner, Revista Vie Consacrée, set. 1986.p. 270-272
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM