1919-2009
Quando fui solicitado a escrever algumas linhas a respeito de Frei Boaventura hesitei em aceitar o convite. Completamente desaparelhado de dados históricos a respeito desse nome que certamente dignificou o Convento do Sagrado de Petrópolis, sentia-me inseguro para realizar a tarefa. Depois pensei que podia dar meu testemunho do tempo que convivi com ele em Petrópolis nos anos 50 e 60. O que pretendo fazer é salientar elementos da vida de Frei Boaventura que irradiaram a comunidade dos frades da Montecaseros, no tempo em que ele aqui viveu. Petrópolis, com ele, tornou-se conhecida e admirada. A Câmara dos Vereadores esqueceu dar seu nome a um de nossos logradouros.
Karl Josef Kloppenburg nasceu em Molbergen, na Alemanha, a 2 de novembro de 1919 e veio pequeno para o Brasil. A família instalou-se no Rio Grande do Sul. Na verdade ele era um alemão brasileiro. Morreu em Novo Hamburgo (RS) a 8 de maio de 2009, um pouco antes de completar 90 anos. Passou quase todo seu tempo de frade menor em Petrópolis. Foi nomeado bispo auxiliar de Salvador de 1982 a 1986 e a 8 de agosto de 1986 designado bispo de Novo Hamburgo. No dia 22 de novembro de 1995 teve sua renúncia aceita pelo Papa João Paulo II.
Duas tarefas importantes ocuparam o tempo da vida de Frei Boaventura em Petrópolis: professor de Teologia Dogmática para os frades que estudavam nesse convento da Montecaseros e redator da Revista Eclesiástica Brasileira, uma publicação de enorme peso naquele tempo. Como consequência destas duas atividades foi um escritor profícuo. São páginas e páginas de artigos, intervenções, livros escritos com seu estilo meridianamente claro e sempre sucessos editoriais. A Editora Vozes publicou um sem número de textos com grande sucesso. Professor, escritor e redator. Seu nome ultrapassava aos limites de Petrópolis.
Frei Boaventura: professor, claro, didata, quando sua aula terminava, nós alunos, tínhamos na mente os pontos principais de sua exposição. Clareza: alguns diziam que para teologia era clareza demais. Frei Constantino Koser, também professor de dogmática, era tido como teologicamente mais exigente e extremamente minucioso. Nesta poucas páginas não posso deixar de lembrar uma de suas aulas num sábado de manhã, véspera do domingo de Ramos. Naquele tempo ele passava tempos em Roma na qualidade de perito do Concilio do Vaticano II e períodos em Petrópolis dando aulas. Era época em que se discutia o Documento sobre a Liturgia. Às vésperas da Semana Santa, no sábado antes dos Ramos, ele nos fez inesquecível preleção sobre o Mistério Pascal. Para mim era coisa inédita. Como aquilo me fez bem. Tenho a impressão de ainda vê-lo e ouvi-lo fazendo chegar um grito novo aos ouvidos dos pacatos estudantes de teologia que éramos nós com nossos 24-26 anos. Entre os ouvintes mais atentos estava Leonardo Boff.
Na década de 50, em seus inícios e meados, frei Boaventura, lutou contra certa “confusão religiosa” proveniente de sincretismos de católicos com outras denominações religiosas. Foi uma campanha nacional. Dizia que seu intuito não era outro senão o esclarecimento dos católicos. Juntava multidões. Era o tempo de defender a fé, da apologia, de colocar de lado os “errados”. Frei Boaventura havia estudado um pouco de parapsicologia e tentava explicar, pela ciência, alguns fenômenos atribuídos à intervenção do além. A bibliografia de Frei Boaventura nos apresenta muitas e espessas obras desse cunho polêmico. Pessoalmente admirava sua força e sua audácia.
Não é aqui o espaço para analisar toda essa campanha. Os tempos eram outros. Frei Boaventura era polêmico. Era seu temperamento. Na conversa e nos escritos salgava tudo com pontinhas de ironia. Certa feita escreveu um artigo sobre a difícil arte de ser bispo que não agradou a alguns membros do episcopado. Por ironia da sorte mais tarde foi nomeado bispo auxiliar de Salvador(BA) e titular de Novo Hamburgo(RS). Pelas informações que até mim chegaram Frei Boaventura surpreendeu a todos por sua pastoral acolhedora e aberta. Interessante o lema episcopal que escolheu Sub umbris fideliter (com fidelidade sob as sombras) Que coisa atual.
Houve na história de Frei Boaventura, uma reviravolta: a participação das sessões do Vaticano II e seu trabalho ingente de assimilação dos documentos ali exarados que mostravam uma Igreja nova aos seus olhos. Ele não se poupou. Viagens, conferências, escritos. Usava uma máquina escrever das antigas. Nada de computador, uma penca de livros diante dos olhos. Convém lembrar que Frei Boaventura tinha deficiência visual. Incansável: cursos e retiros para bispos e clero, participação em organismos eclesiásticos da América Latina, participação em comissões internacionais de teologia…e paramos por aí. Homem trabalhador, sincero consigo mesmo. Para onde ia levava consigo os frades do Sagrado.
Limitei-me a evocar a figura de Frei Boaventura nas décadas de 50 e 60. Um homem que soube acolher o novo. Pessoa incansável, disciplinado. Celebrava missa no Sagrado e as pessoas vinham ouvi-lo falando do Concilio. Era tido como pessoa muito avançada com ideias muito novas. Poucos anos mais tarde foi tido como conservador e travador do novo. A vida dá muitas voltas.
Não quero deixar de dizer que, sem ter privado de colóquios mais pessoais com Frei Boaventura, seu jeito de ser, seu entusiasmo, sua maneira de falar, de aproveitar o tempo, sua clareza, moldaram meu jeito de viver e de ser frade andarilho. Ele me deu gosto de ser gente. Foi, talvez, meu formador sem que o soubesse.
Frei Almir Ribeiro Guimarães